O tempo está miserável. Está quente. Mais quente do que em Lisboa. Calor de trovoada. A humidade grave. O sol cega-me. Os parisienses sofrem ainda mais do que eu, mas sentimo-nos todos como uns imbecis, suando com o menor dos esforços. Ah, não é possível a sprezzatura!
Começo o dia na Concorde, salvando uma francesa que se preparava para levar as suas malas de comboio direcção à Défense. Corto a direito até o cais de Orsay. Quando entro na gare, deixo de existir durante algumas horas, e só o ego dos coleccionadores me enfastia levemente. Para honrar aos seus legados, o museu compartimenta as doações, e obriga-me agora a visitar dois andares e pelo menos quatro recantos distintos se quiser examinar Cézanne.
O sol da saída é estonteante; procuro refúgio nas Tuileries, mas o raio das Tuileries são só relva e veraneantes, a gravilha branca cega-me. Rien au monde n’est beau, admirable, attendrissant comme les paysages anglais (Julien, começo a pensar que tinhas razão). Volto a atravessar o Sena e sigo ao longo da esplanada dos Invalides, a refulgente cúpula dourada guiando os meus passos. Sou atraído pelas formas de Rodin e perco-me no mesmo jardim onde o menir de Balzac e o seu cavo etmóide se sobrepõem aos ínfimos visitantes, e as Portas do Inferno negrejam, ali enterradas num muro de heras. Que terno é o Beijo, que lindíssima era Rose Beuret! E Camille! Teu desgosto não tem nome, mas assumiu para nosso deleite as formas de uma escultura divina.
Metro até Mauberg-Mutualité.
e perco-me pelo quartier
até encontrar o final da rue de la Bûcherie.
Livreiros e bibliotecários, sabem do que falo.
Atravesso a ilhota, certifico-me que Notre-Dame ainda está no seu lugar, trepo em direcção ao Marais para um tout petit verre e alguns momentos de repouso no interior de uma bela hortênsia. No regresso, o Hôtel de Ville rebrilha, incandescente com o orangino sol da tarde, robusto como um colosso teimoso. Ainda vou ler o Arc de Triomphe, e não descortino Junot (que está lá, algures, aguardando uma outra visita).
E no dia seguinte tenho de partir.
Ton adieu?
Je n’y crois pas du tout.
C’est un au-revoir.
Presque un rendez-vous.